Continua longo e desafiante o caminho para a democratização da República de Moçambique e, sobretudo, para a actualização dos agentes da segurança do Presidente da República sobre o impacto das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no sector da comunicação social.
No último sábado, quando o país comemorava a qualificação da selecção nacional de futebol para a fase final do Campeonato Africano das Nações (CAN), a realizar-se próximo ano na Costa do Marfim, o jornalista desportivo Alfredo Júnior, do jornal online LanceMZ, foi vítima de agressão física, protagonizada por agentes da segurança do Chefe de Estado, alegadamente pelo facto de o mesmo ter usado telemóvel para registar a reacção de Filipe Nyusi à façanha conseguida pelos “Mambas”.
Os factos ocorreram na Zona Mista do Estádio Nacional do Zimpeto (ENZ), uma área reservada aos jornalistas para entrevistas rápidas aos jogadores, depois do jogo. Da agressão, resultaram danos morais e materiais (telemóvel profissional, estabilizador da câmara e auscultadores).
Uma reportagem exibida pela Media Mais TV ilustra que, momentos após o sucedido, o Chefe de Estado pediu desculpas ao jornalista Alfredo Júnior, alegando que a agressão resultava do calor das emoções, devido à qualificação da selecção nacional de futebol ao CAN-2024.
“Primeiro, pedimos desculpas pelos empurrões verificados. Este é o sinal de um país que está há muitos anos sem alcançar uma conquista destas. As emoções são enormes e devem ser compreendidas”, defendeu Filipe Nyusi, para depois exigir um sorriso da vítima, pois, nas suas palavras, o seu semblante carregado poderia motivar novas agressões da sua segurança.
Ontem, a Associação Moçambicana da Imprensa Desportiva (AMID) reagiu à ocorrência. Em comunicado de imprensa, a AMID repudia a atitude tomada pelos agentes de segurança do Chefe de Estado, considerando-a “brutal” e “desproporcional”.
De acordo com a agremiação, proibir os jornalistas de usarem telemóveis para realizar coberturas jornalistas “revela o desconhecimento do novo ambiente profissional”, em que “o telemóvel é uma ferramenta versátil e essencial no arsenal de um jornalista moderno, permitindo-lhe aceder a informações, comunicar-se efectivamente, colectar conteúdo multimédia, resultando numa cobertura mais ágil e precisa dos acontecimentos”.
A AMID apela ainda ao Ministro na Presidência para Assuntos da Casa Civil e a Secretaria de Estado do Desporto, no sentido de responsabilizarem os seguranças especificamente visados, de modo a dissuadir a recorrência de actos similares. Exorta ainda a todos os actores desportivos, clubes, federações e Secretaria de Estado do Desporto a respeitarem o trabalho dos jornalistas, provendo informação e salvaguardando o direito à informação.
“O desporto, em particular o futebol, move-se por valores e nunca será espaço para semear desavenças sociais, antes pelo contrário, para reforçar o sentimento de cidadania e de pertença, especialmente, à sociedade moçambicana”, sentenceia a agremiação.
Quem também se juntou aos jornalistas desportivos é o MISA-Moçambique que, em comunicado de imprensa, repudiou a atitude da segurança do Chefe de Estado. “Para o MISA, o argumento usado pelos seguranças do Chefe do Estado para agredir e impedir o jornalista de realizar o seu trabalho [proibição do recurso ao telemóvel para a captação de imagens] é infundado. Nos dias que correm, de alto progresso técnico e tecnológico, o telemóvel deixou de ser um mero instrumento de comunicação interpessoal, sendo uma ferramenta de alto-relevo na produção mediática”, defende a organização.
“Havendo receios de insegurança decorrentes do uso de qualquer dispositivo jornalístico, entende o MISA, os agentes de segurança presidencial têm a obrigação de não molestar o seu detentor, mas de inspeccionar o equipamento, como tem sido prática em vários eventos estatais e até privados em Moçambique e no mundo”, afirma o MISA, sublinhando que o equipamento quebrado é o mesmo que foi usado pelo jornalista Alfredo Júnior na cobertura do encontro entre os Presidentes de Moçambique e do Ruanda, com a selecção sénior feminina de basquetebol, em Kigali, Ruanda.
“Mais do que o acto em si, surpreende ao MISA a aparente banalização, pelo Chefe de Estado, da acção dos seus agentes, ao ponto de associar a agressão à mera consequência do frenesim da conquista da selecção nacional de futebol. As declarações do Presidente da República sobre o incidente podem estimular e normalizar comportamentos desviantes dos cidadãos até mesmo em ambientes festivos como foi o caso do Zimpeto”, considera aquela organização regional, que exige medidas correctivas contra os agentes envolvidos.
Refira-se que desde a chegada de Filipe Jacinto Nyusi à Presidência da República, em 2015, a Casa Militar (guarda presidencial) tem proibido jornalistas moçambicanos de recorrer aos telemóveis para realizar as suas actividades, porém, sem aplicar a mesma regra aos jornalistas estrangeiros que escalam a Ponta Vermelha. Fonte: (CartaMoz)