EMTPM aluga autocarros às instituições públicas e passageiros são deixados à sua própria sorte

A Empresa Municipal de Transportes Públicos de Maputo aluga às instituições públicas autocarros que deviam transportar passageiros.

Esta prática acontece nas horas em que a procura pelo transporte é maior, prejudicando, assim, várias pessoas. Por duas semanas, tentámos obter uma reacção junto da EMTPM, mas a instituição não quis falar sobre o assunto.

O problema de escassez de transporte público na zona metropolitana de Maputo já tem “barba branca”. Aliás, esta é uma guerra antiga, crónica e sem um fim à vista. Parece que os munícipes estão condenados a um eterno sofrimento e as empresas públicas de transporte parecem incapazes de satisfazer a necessidade de mobilidade no Grande Maputo. Então, porque é que elas existem?

Nos próximos parágrafos, trazemos um contraste entre o que as empresas públicas deviam fazer face à crise de transporte e o que estão, na realidade, a fazer.

Quando o dia nasce, na Cidade de Maputo, os munícipes, que devem cumprir os seus deveres, acordam com o pesadelo da escassez de transporte.

“Não há transporte. Todos os dias passamos mal. Há muitas dificuldades para apanhar chapa”, contou Ercílio Senda, um dos munícipes da capital do país.

Na verdade, é assim, não só todos os dias, mas também em todos os lugares. “Só há um TPM, o que faz com que muitos de nós fiquemos nas paragens por mais de uma hora. Por isso, acabamos por chegar tarde ao serviço ou mesmo à faculdade. É triste”, lamentou Nilton, estudante que procurava chegar à faculdade.

O objectivo é chegar ao destino, seja que horas forem, e para isso não se medem esforços. A boa-fé de alguns particulares é que tem valido a pena. “Socorremo-nos dessas boleias que têm passado por aqui (paragem), e eles ajudam, porque não há transporte público”, afirmou Liz Tivane, uma das beneficiárias das boleias.

É assim que se sobrevive na capital do país nas primeiras horas de todos os dias úteis da semana.

Afinal, por onde andam as empresas municipais de transporte público? Esta pergunta leva-nos a um dos parques da Empresa Municipal de Transportes Públicos de Maputo, EMTPM.

Em exclusivo, a equipa do “O País” acompanhou, por três dias seguidos, o movimento de saída de autocarros da EMTPM. Passavam-se 30 minutos das quatro horas da manhã.

Engana-se quem pensa que as saídas por nós registadas eram para o transporte público. Os autocarros que são para o público foram reservados.

“Os patrões”, como são chamados os que fazem a reserva, são instituições públicas, os ministérios da Economia e Finanças, da Saúde, as Linhas Aéreas de Moçambique e o Hospital Central de Maputo, entre várias outras.

A reserva dos autocarros de transporte público é feita no período em que as pessoas mais precisam. Ou seja, das quatro horas da manhã até às oito.

A nossa equipa de reportagem seguiu um dos autocarros reservados e acompanhou a recolha de funcionários.

Na jornada, a viatura que seguimos ostentava um letreiro que indicava “Baixa-Zimpeto” como a sua rota e, na parte frontal, tem a placa “reservado pelo Ministério da Saúde”.

De paragem em paragem, o autocarro vai recolhendo os funcionários. Num dos pontos de recolha, uma facto inédito e digno de destaque.

Uma aluna, uniformizada, com pasta às costas, apressa-se para tomar o transporte público. Bem na entrada, ela fica a saber que o autocarro é reservado aos funcionários do Ministério da Saúde.

E, logo a seguir, aparece uma senhora, aparentemente, atrasada. Era uma funcionária do Ministério da Saúde a entrar no mesmo autocarro que foi interditado à aluna.

Assim, o autocarro seguiu viagem recolhendo os funcionários até chegarem ao serviço. É assim que a coisa funciona em todos os autocarros reservados às instituições públicas.

São autocarros que deviam transportar o público a serem privados por instituições públicas. Esta prática acontece numa altura em que a própria EMTPM reconhece que não dispõe de frota suficiente para responder à demanda.

O PCA da EMTPM, Lourenço Albino, reconheceu, em Maio deste ano, que se deve encontrar uma solução para a crise de transporte na capital do país.

“Preocupamo-nos tanto quando acordamos e vemos terminais cheios de utentes à procura de transporte público. Nós pensamos que, como transportadores, temos de ter uma solução para esta situação”, assumiu Lourenço Albino, PCA da EMTPM, com um tom aparentemente preocupado.

Um discurso que parece contraditório. É que a empresa está a alugar mais de 20 autocarros, do total de 60 que estão operacionais.

Baseando-se na amostra de 20 autocarros, que são reservados às instituições públicas nas horas de ponta, não são poucas as pessoas que ficam muito tempo nas paragens e sem transporte.

Façamos contas rápidas: Consideremos que um autocarro carrega, em média, 100 passageiros entre sentados e de pé. Assumindo que são 20 autocarros que não recolhem as pessoas nas paragens porque foram reservados a instituições públicas, chega-se à conclusão de que pelo menos duas mil pessoas são deixadas à sua própria sorte nas paragens, por viagem. Se fizermos as contas de ida e volta, totalizam quatro mil passageiros que ficam por terra.

Ainda que todos os autocarros estivessem ao serviço dos passageiros, segundo o PCA da EMTPM, não seria suficiente para responder à procura. “Precisamos de mais autocarros. Com cerca de 300 (autocarros) é possível atendermos à demanda”, são contas do PCA da EMTPM feitas em Setembro do ano passado.

A reserva de autocarros está prevista no rol de serviços da EMTPM, mas que o mesmo não colocaria em causa o principal objectivo da empresa: transportar passageiros.

Aliás, existe uma empresa específica para o aluguer de viaturas, a EMTPM Tours, para evitar que passageiros e instituições disputem os mesmos autocarros.

A Empresa Municipal da Matola dispõe, também, de um serviço de reserva, mas afirma que a sua prioridade são os passageiros.

Por isso, com uma frota de 57 autocarros, a Empresa de Transportes da Matola não tem sequer um reservado por uma instituição pública ou privada para o transporte de funcionários.

“Poderia citar um exemplo. Apareceu-nos uma instituição a querer reservar 10 autocarros e nós não podíamos aceitar”, revelou Semião Mate, administrador comercial da Empresa Municipal de Transporte da Matola.

Aliás, aos fins-de-semana, a empresa tem feito o aluguer de autocarros às organizações religiosas, privadas e para alguns sociais.

A Empresa Municipal da Matola reconhece que o negócio de transporte de passageiros não é sustentável, mas sublinha que em nenhum momento pode disponibilizar mais autocarros para serem reservados de modo a ganhar mais dinheiro.

Pensamento diferente tem a EMTPM, que, no fim do dia, aloca, de novo, mais 20 autocarros para levar os patrões de volta à casa. Depois de levar os funcionários ao serviço, entre as cinco e as oito horas, os autocarros reservados fazem carreira, ou seja, transporte de passageiros à hora morta, período no qual não há muita procura.

Até por volta das 13 horas, os autocarros voltam ao parque 2 para serem lavados e, às 15, estão posicionados nas instituições públicas. O compromisso é devolver os funcionários à casa e os passageiros ficam à deriva até por volta das 19 horas.

Mas nem todas as instituições públicas optam por alugar autocarros da EMTPM para o transporte de funcionários. Têm suas próprias viaturas. São exemplos, os ministérios de Negócios Estrangeiros e Cooperação e dos Transportes e Comunicações.

Quando o sol se põe, a imagem de uma cidade sem transporte público fica mais evidente. Corre-se contra o tempo para conseguir um autocarro e voltar à casa.

“Para mim, estando grávida, não é fácil conseguir transporte. A única solução é esperar TPM, que são escassos, para poder ocupar as cadeiras que são reservadas às mulheres gestantes”, observou Fernando, que estava na fila de espera pelo autocarro havia mais de uma hora.

E com o problema de transporte, os passageiros tentam até o improvável para conseguir espaço no autocarro. Um exercício difícil e menos seguro. Os passageiros ficam pendurados nas portas e sequer os autocarros conseguem fechá-las.

“Tenho de me infiltrar e fico ali na porta. É perigoso para mim. Tenho de percorrer longas distâncias até a um paragem que me permita fazer ligações e viajar seguro, mas não é fácil”, narrou Samuel Mazive.

Os autocarros que socorrem os passageiros são os filiados à Federação Moçambicana das Associações dos Transportes Rodoviários, FEMATRO.

O aluguer de viaturas por parte de instituições do Estado está previsto no capítulo II, artigo 6, do Decreto 81/2018 de 21 de Dezembro:

Os órgãos ou instituições do Estado podem contratar serviços de aluguer de viaturas por longa duração, para efeitos de serviço, nos seguintes casos:
a) Indisponibilidade de viatura na frota do órgão ou instituição do Estado em causa;
b) Inconveniência ou prejuízo para o órgão ou instituição do Estado resultante da falta de transporte.
O aluguer de viaturas é o contrato pelo qual uma das partes, pessoa colectiva ou singular, se obriga a ceder ao Estado o gozo temporário da viatura, mediante retribuição.
Os órgãos ou instituições do Estado podem optar pelo aluguer de viatura por longa duração, para efeitos de serviço, incluindo transporte colectivo dos funcionários e agentes do Estado.
Ainda que a lei abra espaço para que as instituições do Estado aluguem viaturas, porque contratar este serviço numa empresa de transporte público que já se ressente da falta de autocarros para os passageiros? Uma pergunta, até aqui, sem resposta.

Tentámos manter contacto com o Conselho da Administração da EMTPM, mas sem sucesso. A nossa equipa de reportagem sabe que o Ministério da Economia e Finanças prefere alugar autocarros para não ter uma “dor de cabeça” na gestão da frota. Enviámos uma carta ao Ministério da Saúde e aguardamos resposta.

Fonte: O País

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